A Carta de Dulce para Seu Time

Como foi lida por Kevin Huscroft

4 de Outubro, de 1998.

Ao meu time, "O Sonho de Dulce", e à todos que estão aqui hoje:

Obrigada por se preocuparem tanto e por se comprometerem a ajudar na luta contra esta doença.  Eu estou lutando contra ela desde Março de 1997, quando notei pela primeira vez um caroço no meu seio direito.  Depois de passar por cirurgia, tratamentos de quimioterapia e de radiação em Outubro de 1997, eu pensei que a tivesse vencido. Mas em Janeiro deste ano comecei a sentir dores estranhas no meu braço direito, que inicialmente foram explicadas como sendo efeitos colaterais do meu tratamento com radiação.  A dor piorou até que meu pulmão direito teve um colapso em Abril, confirmando que meu câncer havia retornado.  Depois de uma outra operação, e de uma quimioterapia mais forte, eu parecia estar vencendo, mas então em Agosto, minha coxa direita perdeu a sensibilidade e os testes mostraram que o meu câncer havia se espalhado para a minha coluna vertebral e para o meu cérebro.  Agora já passei por mais uma cirurgia, por mais tratamentos de radiação e por outra quimioterapia.  A dor e a fraqueza parece que nunca terminam.  Desta forma, não encontro palavras para expressar o que significou para mim cada vez que Pat Dempster, a capitã do nosso time, me atualizava contando sobre como o time estava crescendo, acima das expectativas. Eu continuarei a lutar.

Por ser "School Trustee", meu interesse sempre foi ligado à educação.  Esta experiência tem sido uma aprendizagem para mim.

Primeiro há o choque sobre o câncer de mama.  Tantas famílias foram devastadas por essa doença. E eu mesma nunca prestei muita atenção sobre isso anteriormente - mas de fato, um genocídio está acontecendo entre nós.  Isto precisa ser mudado.

Em segundo lugar, existe a imprecisão do sitema médico.  Há uma demora excessiva para quase tudo.  Os funcionários trabalham horas extras, erros são cometidos, e algumas vezes a qualidade do tratamento é terrível. Com frequência, equipamentos, testes e drogas simplesmente não estão à disposição dos pacientes no Canadá.

Por exemplo, em Março deste ano, fui informada pelo meu ex-médico de família que a dor que eu vinha sentindo desde Janeiro era uma somatização, i.e. imaginária.  Três semanas depois, quando meu pulmão teve um colapso e a recorrência do meu câncer foi confirmada, fui informada de que eu talvez tivesse apenas seis meses para viver.  Me submeti a um PET scan em Seattle no dia seguinte, e este teste mostrou claramente como o meu câncer havia se espalhado.  Eu sei com certeza de que se tivesse podido fazer um PET scan um ou dois meses antes,  o meu câncer teria sido então detectado.  Eu poderia ter iniciado os tratamentos mais cedo.  Mas PET scanners para o câncer de mama não são feitos no Canadá.  E eu só consegui a referência que precisava, depois de tê-la pedido para sete médicos e finalmente ter encontrado um que se colocou à disposição para me ajudar. Isto precisa ser mudado.

A lição final entretanto, é a de amor.  Tenho muito o que agradecer.  Tenho recebido um apoio enorme.  Minha família no Brasil largou tudo para estar comigo.  Meus pais e minha sobrinha estão no Canadá desde Abril.  E se revezando, minhas irmãs deixaram suas famílias por meses sem fim, para que sempre uma delas possa estar comigo. Meu irmão também veio me visitar assim como por várias vezes a família de meu marido que mora em Creston, B.C.  O apoio da minha Igreja,  Eagle Ridge Bible Fellowship, tem sido surpreendente, assim como a reação dos meus amigos em Port Moody, Coquitlam, no Distrito das Escolas #43 e na PMC-Sierra, Inc, onde meu marido trabalha. O sucesso contínuo da PMC-Sierra tem significado que minha família está segura financeiramente e a compreensão da Gerência da PMC-Sierra possibilitou que meu marido estivesse livre para ficar comigo.  E eles estão cuidando dos meus filhos e do meu marido também, enquanto meus filhos e meu marido cuidam de mim.  Comparada à maioria dos pacientes que eu vejo, me considero extremamente abençoada.

E sou afortunada também, pois este amor me conduziu à várias transformações.  Eu tive a oportunidade de conhecer e de apreciar as minhas irmãs como nunca havia conhecido e admirado antes, depois de estarmos separadas fisicamente por tantos anos.  Ambas as famílias, a minha e a de meu marido, se uniram como nunca o haviam feito anteriormente.  E muitas e muitas amizades se aprofundaram.  E novas amizades foram formadas.  Eu também fui levada à reconciliações com amigos antigos e com familiares, reconciliações que já estavam a tempo de serem feitas.  Disputas mesquinhas parecem tão sem importância agora. E nossos relacionamentos com nossos médicos e com o sistema médico mudou fundamentalmente passando de um estado de medo, de desconfiança e de falta de segurança para um estado de preocupação e de respeito mútuo.  Eu percebi que médicos e enfermeiras são apenas humanos, comentendo erros, mas fazendo o melhor que podem sob circunstâncias muito difíceis.  Esta doença é horrível.  Mas eu aprendi que através da fé nós podemos ser salvos.  Todos nós queremos tanto que as coisas melhorem. E elas podem melhorar.

Assim, o que é no final o meu sonho, "O Sonho de Dulce"?  Bem, há várias partes do sonho.

O primeiro ponto seria um progresso real na descoberta da cura do câncer de mama. Nós estamos tão perto de uma descoberta, como vacinas contra o câncer desenvolvidas através de engenharia genética.  Mas isso leva tempo e dinheiro.  Quem me dera poder ter acesso aos tratamentos que estarão à disposição em cinco anos...

Em segundo lugar, gostaria de ver as condições no sistema médico melhorarem.  Isto varia desde as coisas grandes como conseguindo PET scanners para o diagnóstico do câncer de mama até as pequenas coisas como fornecer meias e toucas para uso dos pacientes nos hospitais, ou pedras de gelo para se chupar em todos os hospitais. E, logicamente, que tenhamos pessoas suficientes e camas suficientes para permitir que a boa medicina seja praticada.  Mesmo com o conhecimento que já temos atualmente, um melhor atendimento poderia ser oferecido.

Em terceiro lugar, gostaria de ver todos nos cuidar melhor de um e outro.  E gostaria de ver todos nos passar mais tempo com as nossas familias e os nossos amigos e apprender a valer o que é mais importante na vida.  Este tempo juntos é precioso.  Todos nós deveríamos usá-lo para guardar tesouros que jamais nos serão tirados, mesmo por toda a eternidade.

E finalmente, meu sonho é que nunca mais nenhum de vocês seja machucado por um câncer de mama.

Obrigada a todos.  Eu espero poder vê-los no ano que vem.  Vamos continuar correndo pela cura.

Dulce Huscroft

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